De: mim; Para: mim mesmo.

    Embora escreva isto na iminência da volta do Twitter, já que em 8/10/2024 o Min. Alexandre de Moraes acatou o pedido dos advogados da rede para que ela volte ao ar em território brasileiro, não posso negar a mim mesmo que esse breve sabático da rede me deixou uma lacuna terrível.

    Várias vezes (ora por questões de produtividade, ora pra evitar a produção de provas contra mim mesmo) cogitei excluir minha conta no twitter, mas há sempre uma força maior que me impede de fazê-lo: aquilo ali é um grande recordatório (para mim mesmo) de diversas fases do meu amadurecimento. Volta e meia me pego vendo tweets meus dos primórdios da minha presença na rede. Era outro momento da minha vida. Entrando pela primeira vez na universidade pública, saindo de uma vida de formação em escolas particulares, tendo contato com o movimento estudantil para dar vazão a revoltas, sentimentos e ideias que há muito fermentavam dentro de mim, enfim... 

    Ali estão registradas, em pequenas pílulas, fases que por vezes me esqueço. E aí reside um problema sério e um receio que carrego: o esquecimento. Não dos outros, porque hoje já não escrevo primariamente para os outros (ou pelo menos tento me enganar ao me convencer disto), mas o meu próprio esquecimento.

    Minha família materna tem histórico de demências (me referiria especialmente ao Alzheimer, mas nem todos foram diagnosticados, então, prefiro o designativo genérico). Por isso procuro ser o cara chato que cobra minha mãe a fazer exercícios físicos e cuidar melhor do sono. Já vi e sigo vendo, com muita tristeza, o resultado da perda da memória em tias-avós, na minha madrinha. Minha avó paterna (que tem 101 anos de idade na data em que escrevo) também começou a apresentar (com preocupante velocidade) sinais de perda da memória. 

    Então escrever, para mim, com o passar do tempo, tornou-se o ato de deixar gravado o que penso, e o que penso é a principal parte constitutiva do que sou. Deixar estas migalhas de pão pelo caminho são um eterno lembrete a mim mesmo de quem sou e de quem fui, já que não sou o mesmo que escrevia tweets em 2011 sobre a faculdade, sobre futebol e sobre política. 

   Por isso a falta do twitter mexeu tanto comigo. Claro, tem a parcela do vício que estas redes desgraçadas geram na gente. Mas me ver espoliado desse recordatório virtual me deixou bem pra baixo. 

    Aqui quero deixar de memória opiniões sobre política, sobre literatura, cinema, música, deixar relatos de restaurantes, cafés, enfim. 

    E pensei um bocado no nome dessa pequena cela do meu sanatório. Inicialmente queria que fosse "comendo por aí", já que a ideia me veio em uma ida ao La Traviatta com a família e amigos, em Belém. Mas o nome não estava disponível. E aí começou uma saga interna de pensar em nomes, todos já utilizados por algum desgraçado que, antes de mim, teve a maldita ideia de criar um blog nesse domínio.

    Ontem, enquanto cozinhava, o nome me veio. Tenho um vidrinho de pimenta branca da BR Spices, que pertence ao Chef Gabriel Gustavo Daniel (nome curioso né? Parece uma concatenação de prenomes). Pra quem não sabe, além de dono da empresa de temperos (que é muito foda!), Gabriel tem o canal de culinária "Underchef", no YouTube, que por muito tempo - na humilde opinião deste que escreve - foi o melhor canal brasileiro de gastronomia na internet.

    Hoje o canal da Paola Carosella também traz um excelente conteúdo e com uma entrega um pouco diferente do Underchef, mas durante os solitários 1 ano e 7 meses que morei em Laranjal do Jari, o canal do Gabriel era minha mais frequente companhia. Tinha que cozinhar, e foi lá que aprendi a maior parte das técnicas que uso até hoje, e que seguirei usando enquanto estiver à frente do fogão. 

    Como usava os vídeos de receitas para fazer propaganda da BR Spices, na hora de usar pimenta do reino, o Gabriel repetia o mantra "pimenta do reino sempre moída na hora". Acaba que o nome vem a calhar com outra paixão minha: o café. E café especial tem que ser sempre moído na hora.

    Agora, me permito um toque de Christopher Nolan para ser demasiadamente expositivo: a moagem na hora, tanto para o café quanto para qualquer tempero seco (pimenta do reino, cominho, noz moscada, semente de coentro, zimbro...) é a forma mais eficaz de resguardar, o quanto possível, os aromas e a potência de sabor. Da feita que se mói, acelera-se exponencialmente o processo de oxidação. E a oxidação faz com que as partículas do café (ou do tempero) moído percam mais rapidamente os gases que comporão o buquê aromático e gustativo do preparo. 

    E aqui é que está o pulo do gato. O twitter não só me permitia gerar um recordatório virtual do meu pensamento. Ele me permitia gravar o pensamento exatamente na hora em que me vinha à mente. Logo, a ideia não "oxidava". Não se perdia. No dia-a-dia é TANTA coisa que nos toma a mente, que você pensa em algo agora. Aí abre o celular, vê uma chamada apelativa no instagram, e puf... já esqueceu o que tinha acabado de pensar. 

    Meu Jesus amado, como isso acontece comigo. Às vezes eu estou dirigindo pela cidade, e no caminho vejo algo curioso, inusitado, ou engraçado. Na hora eu penso em algo e quero deixar aquilo guardado. Eu paro o carro onde aparecer uma vaga e escrevo. Via de regra, o lugar onde eu escrevia era o maldito twitter. E convenhamos, tem coisa que não se compartilha em qualquer lugar, ou que não se manda - simplesmente - via WhatsApp. 

Adendo posterior à publicação: hoje (10/10/2024), enquanto lia um texto de Eduardo Escorel sobre a cineasta alemã Leni Riefenstahl para a rev. Piauí, me deparo com o seguinte trecho, cuja autoria seria de Albert Einstein, e foi usado como epígrafe da autobiografia da cineasta: É preciso nos consolarmos com o fato de o tempo ter uma peneira, através da qual a maioria das trivialidades corre para o mar do esquecimento

    Imagina eu interromper um amigo no meio da tarde pra fazer um comentário absurdo sobre uma cena engraçada que vi, mas que ele não viu, e que não fará o menor sentido pra ele. Sei que muitos devem fazer isso, mas pra mim é loucura e inconveniência (e quem discordar, que discorde longe de mim). 

    Então a minha ideia é fazer disso aqui uma parte do meu fluxo de pensamento e de reação às coisas do dia-a-dia, com a liberdade que o twitter não me confere em relação ao número de caracteres (e eu JAMAIS vou me prestar a pagar um centavo pra escrever mais do que um tweet comporta). 

    Se um dia eu for preso por algo escrito aqui (o que eu acho difícil pelo fato de que ninguém lerá), tudo bem. Todo dia prendem um Lula, e eu estou pronto pra ser um mártir por dar eco às vozes (por vezes criminosas) da minha cabeça. 

    Que rolem os dados!

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